Encontrei um colega da época da escola, década de 90 por aí, que acabara de sair da prisão. O registro dele era de um “ladrão 157”, número do artigo no Código Penal Brasileiro que descreve o crime de roubo. Ficou 10 anos na sarjeta, em suas palavras. Trocamos várias ideias e ao falar das minhas atividades atuais com o livro, queria saber como a psicanálise poderia explicar a sua vida no crime. Eu estava “armado” com o livro de Charles Brenner, Noções básicas de psicanálise, introdução à Psicologia Psicanalítica, Editora Imago da Universidade de São Paulo, 1975. Comecei a ler e a refletir com ele sobre a primeira hipótese fundamental, onde o sentido deste princípio é o de que na mente, assim como na natureza física que nos cerca, nada acontece por acaso ou de modo acidental. Cada evento psíquico é determinado por aquele que o precedeu. “Interpreta essa parada aí”, disse ele.
Respondi que nada ocorre por acaso nos processos mentais. Aquilo que ocorre na infância determina as neuroses do adulto. Os seus comportamentos vêm de uma construção ao que você é agora. Nossas escolhas são ligadas aos nossos registros, as imagens, os paradigmas, as crenças limitantes etc. Há um causa para cada pensamento, para cada memória revivida, sentimento ou ação, como por exemplo na natureza. O verão é período de fortes chuvas, ventanias e muitas arvores caídas, onde em São Paulo, por conta da intensidade das tempestades e da velocidade do vento que chega a quase 100 km/por hora, já derrubou aproximadamente 1000 árvores em duas semanas por diversos motivos, como: raiz danificada, altas temperaturas do verão combinadas com a alta umidade que favorecem o desenvolvimento mais rápido dos fungos dentro da madeira, contribuído para uma deterioração mais rápida, espécie inadequada ao local entre outros. “A árvore não cai por cair, tem motivos naturais e não naturais”, afirmou o meu mano.
Em geral, jamais admitiremos qualquer fenômeno psíquico como sem significação ou como acidental. Devemos sempre nos perguntar em relação a qualquer fenômeno psíquico no qual estejamos interessados: “Que os provocou? Por que aconteceu assim?”. Formulamos essas perguntas por estarmos certos de que existe uma resposta para elas. Outro exemplo. Esquecer ou perder alguma coisa é uma experiência comum na vida cotidiana. A ideia habitual de tal ocorrência é a de que constitui uma “casualidade”, a de que isso “apenas aconteceu”. No entanto, uma completa investigação de muitas dessas “casualidades”, mostra que de modo alguma elas são tão acidentais quanto o julgamento popular as considera.
Nesse ponto, não estamos considerando a primeira das hipóteses fundamentais, o princípio do determinismo psíquico, mas também a respeito da segunda, isto é, a da existência e significado de processos mentais dos quais o indivíduo não se dá conta ou é inconsciente. Quando um pensamento, um sentimento, um esquecimento, um sonho ou um sintoma parecem não se relacionar com algo que aconteceu antes na mente, isso significa que sua conexão causal se apresenta em algum processo mental inconsciente, em vez de num processo consciente. Os processos mentais inconscientes possuem a capacidade de produzir efeitos sobre nossos pensamentos e ações. “Dá outro exemplo prático aí mano”, disse o meu mano.
Temos um exemplo aqui no livro de uma sugestão pós-hipnótica. Um paciente é hipnotizado e, durante o transe hipnótico, diz-se algo que ele deve fazer depois de sair do transe. Por exemplo, diz-se ao paciente: ” Quando o relógio bater duas horas, você se levantará da cadeira e abrirá a janela”. Antes de acordar, é dito também ao paciente que ele não se lembrará do que aconteceu durante o transe hipnótico, e então lhe é dito que acorde. Pouco depois que o paciente acorda, o relógio soa as duas horas e ele se levanta e abre a janela. Ao ser questionado o motivo do comportamento, ele dirá: “Não sei, tive vontade de fazê-lo”, ou, mais comumente, fornecerá alguma racionalização, como, por exemplo a de que sentia calor.
O importante é que ele não está consciente quando que realiza a ação que o hipnotizador lhe ordenou, não sabe por que o fez e nem pode tornar-se consciente do motivo verdadeiro por um simples ato de memória ou de introspecção. Tal experiência mostra claramente que um processo mental verdadeiramente inconsciente (obediência a uma ordem, neste caso), pode ter um efeito dinâmico ou motor sobre o pensamento e o comportamento.
“No primeiro exemplo da hipótese, eu poderia considerar que minha criação e o ambiente que eu vivi facilitaram minha procura na vida do crime, ao mesmo tempo, na segunda hipótese fundamental do inconsciente, posso dizer que eu fui influenciado?”, pergunta o colega.
“Podemos dizer que sim”, respondi.
“Então eu não sou culpado”, questiona ele.
-Podemos considerar que você não é culpado, mas tem responsabilidade, talvez a culpa não tenha sido sua, mas a “responsa” é, tem que responder por essa falta de conhecimento.
(pausa).
-Cara, lá no presídio, as vezes aparecia alguns crentes. Certa vez um crente falou que por conta do pecado de Adão e Eva a humanidade se tornou corrupta, mas com Cristo, podemos mudar isso e ter a certeza de uma vida melhor após a morte. Se eu tivesse lido a Bíblia antes…
-Você está vivo e tem o tempo ao seu dispor.
-O seu livro fala dessas paradas todas, de como superou o ambiente?”
-O meu livro é uma trilogia, a superação estará no último volume”.
-Vou comprar seu livro mano. Vou estudar bastante, vou para a igreja, vou mudar de vida!
-Transforme sua vida e a dos outros. Faça essa sublimação!
-O que é isso?
-A sublimação, na psicanálise, é um tipo de mecanismo de defesa no qual impulsos ou idealizações socialmente inaceitáveis são transformados em ações ou comportamentos socialmente aceitáveis, possivelmente resultando em uma conversão a longo prazo da pulsão inicial.
-Hum, tá. Marca o meu telefone e vamos trocar mais ideia sobre isso.
-Fechado.
-Muito bom rever você, mano.
-Digo o mesmo.
(Choro).
(Abraço).