EU NÃO PEDI PARA NASCER… NA FAVELA

Eu estava na barriga da minha mãe acolhido, aquecido, alimentado e de repente alguém me puxa para um ambiente iluminado e gelado, começam a me espancar com um tapa na bunda e sinto dor para respirar, um desespero para soltar o ar, onde libero um grito, choro e clamo por socorro. Descobri que tenho o primeiro sintoma neurótico por fazer expectativa por algo que eu não conhecia, já que o momento mais sublime do meu nascimento em um novo mundo é carregado de
dor e ansiedade.

Mas, será que não tem como eu voltar para a barriga da minha mãe? Eu cresci lá, o que estou fazendo aqui?

Falaram que este pode ser um assunto teológico sobre Adão e Eva para outro assunto, mas agora quero conhecer a minha história e não saber dos outros.  Acabei de ter uma informação mais técnica. Estou neste mundo para desenvolver e que a barriga da minha mãe era apenas uma realidade do grande homem que eu vou me tornar.

Mas, existe algo errado. Depois que eu nasci, me colocaram em uma caixa de plástico cheia de fios e em um ambiente com muito barulho, o que vocês estão fazendo comigo? Eu quero os meus direitos!

Uma mulher apresentada como enfermeira, disse que eu nasci prematuro no sétimo mês de gestação e estou em uma incubadora, o melhor local para crescer com segurança. Mas, e aquela história que eu nasci para desenvolver e ser um grande homem, se estou preso aqui? O meu colega de incubadora ao lado explicou tudo. Com o nascimento antes do tempo, precisamos ficar aqui para respeitar a cronologia e crescer. Depois disso, vamos para o “mundão”.

Gente, que alvoroço é este, a enfermeira está chorando. O meu colega do lado morreu. O que é morrer?
Eu só sei o que é nascer.

-Colega, fala comigo, você não responde, o que houve?

Isso só pode ser um sonho, que coisa confusa. Acorda! Acorda!

Gente, pera aí. Será que eu sou o próximo a morrer? Eu não sei o que é isso, mas estou morrendo de medo. Que trocadilho infeliz, vou chorar…

Acordei agora e não me lembro de mais de nada. Gente, estou saindo do hospital! Olha só os meus progenitores, tão bonitos, meu papai e mamãe. Eles estão me levando para o local que eu vou me desenvolver e ser um grande homem neste novo mundo.

Pessoal, que lugar bonito, espaçoso e organizado! O meu lugar que eu vou viver e crescer, ueba! Opa, espera um pouco. Entramos em uma incubadora gigante com rodas, chamado de carro. Estamos andando, que legal. Espera aí, espera, não estou compreendendo, o lugar bonito, espaçoso e organizado era a área externa do hospital, então não é o lugar que eu vou me desenvolver. O meu pai está falando, vamos ouvir:

-Graças a Deus conseguimos pagar um convênio para o nosso filho e agora vamos para casa, filhão!

Opa, este deve ser o local que eu vou desenvolver e crescer. Vou dormir um pouco.

“Estamos chegando, filhão”, gritou o meu pai. Calma lá. Que lugar é este? Gente, alguém chama os Direitos Humanos, estou em um lugar desorganizado e apertado. Pai, presta atenção, onde estamos? Ele não me ouve, vou chorar…

-A favela recebe o seu novo rei. Aqui está o seu lar, meu filho!

-Pai, se eu sou uma majestade, cadê o meu palácio? Que lugar barulhento, apertado, desorganizado pai,
que lugar é este?

-É o melhor que podemos oferecer, filho.

-Eu entendo, mas não concordo. Vou parar de respirar…

-Não consigo, vou chorar!

-E aquela história que eu iria me desenvolver é tudo mentira, pai?

-Apenas a realidade, meu filho.

-Eu não quero esta realidade. Depois de nascer com dor no peito, ficar em uma incubadora, recebo outro trauma: Crescer na favela. Mundo injusto e cruel…

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